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Sobre a condenação de Lula e a nova fase da luta de classes no país


A condenação de Lula por unanimidade na oitava turma do Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF-4) é mais um episódio do Golpe de Estado que se desenvolve em nosso país. Tratou-se da condução farsesca de um julgamento – antecipado sem qualquer razão legal, apenas para atender às exigências da agenda golpista – que visava, desde o seu início, não a averiguação de possíveis atos ilícitos do réu, mas sim impossibilitar sua candidatura eleitoral, considerada hoje a favorita para o pleito de 2018 em todas as pesquisas prévias, independente das circunstâncias.

Não foram poucas as arbitrariedades jurídicas cometidas, apontadas por inúmeros especialistas da própria legalidade burguesa existente em nosso país[1]. Em mais de um dos três votos dos desembargadores de Porto Alegre, invocou-se, de um modo ou de outro, a tese do “domínio dos fatos”, defendendo que, mesmo sem provas contundentes, deve-se deduzir que Lula tinha consciência dos esquemas de corrupção, simplesmente por ser o Presidente da República na época em que ocorreram.

Não cabe a nós neste pequeno texto fazer as vezes do judiciário, reexaminando todos os pormenores técnicos e legais discriminados nos autos do processo e discutidos – de maneira viciada – nos julgamentos. Cabe-nos apenas destacar o sentido político presente neste julgamento, bem como sua relação com a justiça burguesa no geral e com o Golpe de Estado em específico.

Antes de mais nada, é necessário explicitar que o desprezo em relação a vários aspectos da legalidade é uma regra na justiça e na sociedade brasileira. A Constituição de 1988 determina, por exemplo, que toda a propriedade deve possuir uma função social, podendo ser desapropriada caso não a cumpra. Não obstante, são dezenas de milhares de latifúndios improdutivos e prédios urbanos desocupados, que além de não serem expropriados, via de regra, são protegidos de todas as formas pela justiça. Também garante-se na Constituição o direito a um julgamento justo e em tempo razoável, entretanto, são centenas de milhares de brasileiros que se amontoam em presídios, esperando por anos a fio para serem julgados. Além destes dois exemplos mais gerais, abundam tantos outros que comprovam que as arbitrariedades e a perseguição, em especial contra as massas populares e sobretudo quando estão levantadas em luta, são a regra de nosso sistema judiciário.

Nestes fatos expressa-se o caráter burguês e latifundiário do próprio poder judiciário em nosso país. Não é de hoje que esta casta de juízes e desembargadores, como parasitas profissionais, criam raízes em seus cargos e utilizam-se deles tanto para reprimir as classes populares, como para livrar os representantes das classes dominantes de toda a sorte de absurdos. As ações de Gilmar Mendes para garantir a impunidade de um sem número de grandes burgueses – tais como Jacob Barata, Anthony Garotinho e tantos outros – são apenas os exemplos mais burlescos do caráter da justiça brasileira.

Feitas estas considerações, prossigamos analisando o sentido político do julgamento de Lula em específico. Devemos nos perguntar: por que essa justiça volta agora todo seu fogo contra ele? Imediatamente, rejeita-se toda e qualquer leitura moral e demasiadamente simplista de que o combate contra a corrupção e a tentativa de “limpar” o Brasil sejam os motivos. A liberdade de inúmeros canalhas, contra quem pesam toneladas de provas de corrupção, nos afastam de tamanha ingenuidade. A Lava-Jato, apontada pela grande mídia como a salvação da nação, mesmo com quase quatro anos de existência, foi incapaz de dar um fim às práticas de corrupção no país, que aliás, são indispensáveis para o funcionamento do próprio capitalismo burocrático brasileiro e beneficiam unicamente suas classes dominantes.

Na prática, a Lava-Jato funcionou exclusivamente como instrumento jurídico de desmoralização da Petrobras, justificando sua posterior privatização, tal como está acontecendo de fato; bem como de viabilização do Golpe de Estado, ao investigar com tanto afinco alguns e negligenciar tantos outros, atuando em coordenação com a grande mídia e manipulando a opinião pública[2].

Fica evidente que o combate contra a corrupção é tão somente um mantra repetido pelas classes dominantes e pela grande mídia – tamanha hipocrisia! – e, dado seu caráter moral, genérico e abstrato, pode ser facilmente endereçado contra as figuras específicas que lhes interessem e nos momentos que lhes sejam mais vantajosos.

No caso concreto de que tratamos no presente texto, fica claro que este discurso voltou-se preferencialmente contra elementos do Partido dos Trabalhadores e seus aliados. Também não deixa de respingar contra organizações populares que orbitam em torno do PT, como as centrais sindicais e movimentos camponeses, que se tornam, dentro desta lógica, simples “vagabundos” em busca de benefícios fáceis do governo. Assim, esse discurso ideológico, até mesmo cínico, busca legitimar futuras repressões jurídicas e policiais, não apenas contra o PT, mas contra todo o conjunto do movimento popular que resiste à tsunami de retrocessos atualmente impostos pelos interesses das classes dominantes e do imperialismo em nosso país.

Desta forma, a condenação de Lula em segunda instância não passa da expressão desta lógica atualmente em jogo. Não se trata de combate à corrupção e nem da simples condenação de Lula, mas de um evento necessário para o desenvolvimento do Golpe de Estado e à repressão ao movimento popular que ele exige.

Em mais de uma oportunidade, a União Reconstrução Comunista e o NOVACULTURA.info apontaram o Golpe de Estado como consequência da falência da estratégia petista de conciliação de classes para gerir o capitalismo burocrático brasileiro, e a adoção de um programa anti-povo ainda mais brutal que os anteriores, que deverá ser aprovado mesmo às custas de um substancial incremento dos recursos repressivos do Estado[3]. Em outras palavras, as classes dominantes descartaram qualquer possibilidade de conciliação encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores quando realizaram o impeachment de Dilma Rousseff e alçaram Michel Temer ao poder.

Neste cenário, para que o próprio Golpe de Estado seja sustentado e para que seu programa seja aplicado, tornou-se uma necessidade imperiosa inviabilizar qualquer candidatura de expressão que pudesse minimamente retomar o velho modelo de gestão do Estado, baseado na ampla conciliação de classes. Assim, a condenação de Lula é a continuação do impeachment de Dilma Rousseff. Bem como quaisquer outras formas posteriores de rompimento e de trato arbitrário com a legalidade – como uma eventual prisão de Lula – serão expressões e necessidades deste mesmo golpe. Assim, devem ser combatidas de forma resoluta por todos os movimentos populares e democráticos de nosso país.

As classes dominantes tem consciência que, por mais que Lula acene para eles de diversas formas, apresentando-se como única opção viável para “unificar o país”, ele possui muitas alianças e apoio no campo popular, das quais não pode simplesmente se desvencilhar e que engessam sua capacidade de levar a cabo o programa anti-povo com a velocidade e o rigor que exigem. Perderam qualquer disposição em conciliar. Pretendem impor seus interesses políticos e econômicos por meio da suspensão de sua já tão limitada democracia – uma autêntica ditadura burguesa-latifundiária, que agora retira todas as suas máscaras – e calar os movimentos populares que se opuserem por meio da violência e do medo.

Vivemos um novo período da luta de classes em nosso país, que coloca a necessidade de um salto qualitativo na conscientização e organização das massas populares, o que ainda não se concretizou. O novo movimento de massas que deverá surgir a partir disto deverá ser forjado no calor dos enfrentamentos contra o Golpe de Estado e todas as suas manifestações.

Não obstante, este novo período coloca novas questões e tarefas para o movimento popular, que deverão ser apreendidas e cumpridas corretamente para que não se cambaleie de derrota em derrota. Em primeiro lugar, deve-se apreender o contexto de exceção e ruptura constitucional e abandonar qualquer ilusão em soluções eleitorais. Mesmo as limitadas instituições da “justiça” e da “democracia” estão atualmente suspensas. Assim, impõem-se a necessidade de criar novas táticas de lutas de massas (sindical, camponesa, estudantil, etc.), independentes de acordos e agendas eleitorais, com perspectiva radicalizada e revolucionária. Também deve-se levar em conta o aprofundamento repressivo, que coloca na ordem do dia a necessidade das massas possuírem algum instrumento de autodefesa. Por fim, coloca ao proletariado e sua ideologia de vanguarda, o marxismo-leninismo, a missão de oferecer uma interpretação correta e apontar um caminho justo para solucionar os problemas do Brasil.

NOTAS E REFERÊNCIAS:

[1] O livro “Comentários a uma sentença anunciada”, de organização dos juristas João Ricardo Dornelles, Carol Proner, Gisele Cittadino e Gisele Ricobom reúne uma série de argumentações e indícios das faltas legais cometidas na condução do processo de Lula.

[2] Em outras oportunidades, o site NOVACULTURA.info disponibilizou textos que explicitam o papel desempenhado pela Lava-Jato no desmonte da Petrobras e na condução do Golpe de Estado. Verificar “A estratégia de desmonte da Petrobras”, “Petróleo, crise capitalista e golpe de Estado”, além das notas da URC “Sobre a conjuntura brasileira e a tentativa de golpe em andamento” e “Sobre o aprofundamento do golpe de Estado”.

[3] Verificar o documento da URC “O golpe de Estado e suas consequências”, bem como os outros dois documentos citados acima.

UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA

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