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A Crise Brasileira e a derrocada do governo Bolsonaro


Vivemos momentos de apreensões e turbulências. Diante da nova pandemia do Covid-19, o governo Bolsonaro, incapaz de oferecer respostas que não sejam um aprofundamento ainda maior dos ataques contra os trabalhadores, vê acelerar em ritmo galopante o seu processo de desgaste político e ideológico. Mesmo aqueles, entre as classes dominantes, que antes eram aliados de primeira hora do “bolsonarismo”, agora se mostram reticentes, quando não abertamente contrários ao governo, temendo a força da rebelião popular que pode emergir em meio aos escombros. Aos comunistas, resta cerrar suas fileiras diante do misto de paralisia e crueldade do Estado burguês-latifundiário brasileiro – paralisia e crueldade que só podem ser compreendidas à luz de uma análise das lutas de classes em sentido amplo e da dinâmica político-econômica de nossa sociedade – e defender os interesses mais urgentes dos trabalhadores em meio ao caos que se instala.

Nas próximas semanas e meses, nós da União Reconstrução Comunista e da equipe do NOVACULTURA.info, buscaremos dar conta de cobrir o mais exaustivamente possível todos os aspectos da presente crise, além de dispor toda a nossa militância para defender os interesses e demandas mais imediatas das classes populares, justamente as mais prejudicadas em toda essa situação. Tomando todas as cautelas necessárias e seguindo protocolos de segurança e saúde recomendados, manteremos nossa mobilização e aprofundaremos nossos trabalhos de todas as formas que pudermos. Ao contrário do que o velho Estado está fazendo, entendemos que as pessoas não podem ser deixadas à própria sorte em um momento tão delicado.

Abaixo, faremos algumas considerações iniciais, que deverão ser aprofundadas em textos posteriores, acerca dos principais aspectos que estão conformando os movimentos de nossa conjuntura atual.

Sobre o novo Covid-19 e a pandemia que se alastra

Primeiramente é importante reforçarmos, já que isso nunca é demais, a gravidade da situação criada por essa pandemia. No momento em que este texto está sendo escrito, já são 1546 casos confirmados de infectados pela doença e 25 óbitos em todo o Brasil, a maioria deles concentrados no estado de São Paulo. De acordo com os dados de uma pesquisa publicada no site ourworldindata.org, o Brasil é um dos países que menos aplicou testes para detecção do Covid-19 até agora e, portanto, podemos assumir que o número de infectados e até mesmo de óbitos é na realidade muito maior. Ou seja, existem pessoas se infectando, adoecendo e morrendo dessa doença sem nem terem sido diagnosticadas. E todas as evidências que temos sobre outros países e das pesquisas epidemiológicas recentes indicam que a situação só tende a piorar nos próximos dias e de modo acelerado.

Duas coisas podem ser deduzidas a partir disso: a primeira é que a situação é séria e exige todas as precauções recomendadas pelos trabalhadores da Saúde. Não podemos ser irresponsáveis diante da situação e, na realidade, temos o dever de conscientizar aquelas pessoas que continuam negligenciando os fatos, alguns ainda em decorrência do discurso mentiroso do homicida que ocupa a presidência. Ademais, não é hora de incentivarmos aglomerações e atividades que aumentem o risco de contágio, mas sim de sermos criativos e estabelecermos uma estrutura de mobilização intensa que seja segura para nós mesmos e para nossa sociedade. O objetivo pode e deve ser a paralisação completa das atividades do país, salvo os estabelecimentos de saúde e atividades adjacentes. Fundamentalmente, a estrutura produtiva do país deve parar e todos os trabalhadores devem ter o seu direito ao isolamento garantido, sem nenhum tipo de prejuízo para nenhum deles.

Segundo, é importante constatarmos a completa incapacidade do Estado e do governo brasileiro de tomar as medidas necessárias para garantir a saúde da população, especialmente dos trabalhadores do campo e da cidade. Foram feitos apenas 3 mil exames para detectar o Covid-19 em nosso país, mesmo diante de estudos que demonstram que a curva ascendente dos casos no Brasil é igual ou até mais verticalizada (isto é, demonstra uma velocidade de contaminação mais rápida) do que a de países com situação crítica na Europa, como Itália e Espanha. Ao mesmo tempo, o presidente insiste em não fechar fronteiras aéreas, por exemplo, com os Estados Unidos, e demorou em fechar as terrestres. Como se não bastasse, ele continua incentivando aglomerações em comércios fechados, indústrias não essenciais e até mesmo em cultos religiosos. São decisões que terão custos humanos imensos.

Para além do que cabe ao descalabro bolsonarista, é fundamental frisarmos que o próprio Estado brasileiro, em sua condição de semicolônia, é incapaz de dar respostas para a situação. Foram anos seguindo religiosamente os dogmas econômicos de instituições imperialistas como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), que vaticinavam a importância da austeridade fiscal e da abertura para o capital estrangeiro. Foi nesse contexto que foi aprovada a Lei do Teto de Gastos Públicos que, de 2016 para cá, já resultou em um corte de R$ 20 bilhões no financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Só em 2019, foram R$ 13,4 bilhões. É um fato reconhecido por todos os especialistas que o SUS sempre foi subfinanciado, diante das demandas que deveria atender. Mas definitivamente, ao menos desde 2014/2015, a situação piorou. Isso porque enquanto o Brasil consagrar como prioridade os rendimentos de banqueiros e outros parasitas, essa é uma realidade que tende a se perpetuar e se aprofundar ainda mais.

Em outros termos, existe uma contradição entre o direito e a demanda do povo por serviços de saúde de qualidade e a manutenção da submissão da nação brasileira ao imperialismo. Bem como existe uma contradição entre o direito à saúde e a estrutura produtiva atrasada que vigora em nosso país, especialmente no campo. Essa é uma realidade que pôde ser velada até então, mas que foi desvelada muito cruamente nos últimos dias. Falas como a do Ministro da Saúde, que afirma que “em abril, o sistema de saúde entra em colapso” e do próprio presidente, que anuncia que as medidas preventivas não podem ser aplicadas porque “prejudica a economia” (sic), não nos deixam mentir. Medidas como a que foi anunciada hoje (23/03), que permite a suspensão de contratos de trabalho por 4 meses, sem remuneração alguma para o trabalhador durante esse período, ainda que temporariamente revogada, apenas reforça o que estamos dizendo. Entramos em uma situação em que nitidamente se deve escolher entre os lucros e rendimentos parasitários de uma minoria ou a saúde da imensa maioria.

Sobre o desgaste do governo

Em meio à crise causada pelo Covid-19, o processo de erosão do governo Bolsonaro se acentuou. Entre as classes dominantes e seus representantes, muitos que antes formavam a base de apoio do governo começam a atacá-lo abertamente. Entre os principais monopólios midiáticos já temos um consenso quase completo de que Bolsonaro é uma ameaça aos seus interesses e os de seus financiadores, além de completamente incapaz de conduzir o país do modo que desejam. São constantes e agora nada acanhados os ataques feitos pela Rede Globo. Mas talvez mais significativos sejam os ataques da Rede Bandeirantes, intimamente ligada aos latifundiários brasileiros e antiga aliada do governo. Em editorial recente sobre o conflito diplomático causado pelo filho do presidente entre o Brasil e a China, a Bandeirantes chegou a chamar o chanceler Ernesto Araújo de “inapto” e “idiota”.

Nesse contexto, vários bairros da pequena-burguesia urbana que antes eram verdadeiros redutos bolsonaristas passam a demonstrar sua atual rejeição por meio de protestos como os ditos “panelaços”. São manifestações que também indicam que as coisas estão mudando muito rapidamente.

Antes de prosseguirmos, devemos também mencionar brevemente a degradação da situação econômica. Os sucessivos circuit breakers na bolsa de valores brasileira foram praticamente ofuscados pela crise sanitária, por terem acontecido quase que simultaneamente. Entretanto, mesmo que os ideólogos insistam em relacionar diretamente um e outro, o surto do Covid-19 é completamente incapaz de explicar essa fuga de capitais, que na realidade já vinha ocorrendo desde muito antes dos primeiros casos confirmados da nova doença. Trata-se antes de uma lei fundamental do capitalismo em sua fase imperialista, que faz com que os burgueses monopolistas, em momentos de Crise iminente, retirem os capitais que haviam alocado em países subjugados e os transfiram para os grandes centros capitalistas. Especialmente quando esse movimento é muito repentino, as perdas das classes dominantes desses países periféricos podem ser grandes. Ainda que eles tentem imediatamente transferir suas perdas aos trabalhadores, o sentimento de incerteza e a instabilidade gerada causa-lhes pânico. Esses fatos, além de desmentirem e frustrarem os dogmas liberais de um Paulo Guedes, causam enormes impactos em nossa conjuntura política interna.

No Congresso, já são três pedidos de impeachment contra o presidente, e tudo indica que virão outros nos próximos dias e semanas. Os presidentes da Câmara e do Senado já desautorizaram o presidente em muitas ocasiões desde o início da crise do Covid-19. Esse movimento também foi acompanhado por manifestações de líderes dos velhos partidos e por quase todos os governadores. João Doria, que já fazia uma oposição mais contida nos últimos meses, partiu para ataques mais diretos. Até mesmo Wilson Witzel, que sempre foi mais semelhante ao grupo do presidente, passou a desautorizá-lo. Mais do que nunca, os militares ganham terreno e oportunidade diante de um governo debilitado. As contradições internas das classes dominantes, portanto, não param de acirrar na gestão Bolsonaro.

Mas o mais fundamental é que os trabalhadores, em especial os operários e camponeses, perdem cada vez mais sua paciência com tudo que se passa. A rejeição ao presidente aumentou de modo geral, de acordo com as últimas pesquisas, sendo que especificamente em São Paulo, o epicentro da crise do Covid-19, ela chega a 48% da população. São números que pouco expressam a rejeição real ao governo, que é muito maior do que isso. Ainda assim, eles tendem a aumentar conforme a pandemia se espalhe e a tragédia se dissemine entre os trabalhadores. O recuo de Bolsonaro na medida em que permitia suspender 4 meses dos salários dos trabalhadores demonstra um pouco dessa insatisfação. Mas mais contundente é a organização espontânea de muitas categorias – como os trabalhadores de telemarketing e do comércio varejista – que rejeitam explicitamente a condução do governo diante da crise e reclamam pelo seu direito de permanecerem em casa. Os trabalhadores vão dando sinais de que não aceitarão arcar com essa crise e nem colocarão suas vidas em risco pelos interesses de seus patrões.

Conclusão

Estamos pagando mais uma vez com a vida por conta do parasitismo das classes dominantes, do atraso em nossa estrutura produtiva e da submissão da nação brasileira ao imperialismo. Mais do nunca é necessário levantar a bandeira da completa libertação nacional que criará, pela primeira vez, um Brasil verdadeiramente independente. Liberdade e independência que só poderão ser conquistadas pelos operários e camponeses guiados por um verdadeiro Partido Comunista, capazes de conduzir uma Revolução Democrática. De qualquer outra forma, nosso país permanecerá vulnerável diante desta e de outras crises que virão.

Mas é possível salvar muitas vidas já nesse momento, tomando alguns passos imediatos. Antes de mais nada, é fundamental criar estruturas criativas de mobilização para os trabalhadores nas atuais circunstâncias, bem como apoiar ativamente as lutas que já estão acontecendo. Em todas as oportunidades, devemos defender o direito à saúde, que atualmente se expressa no direito à quarentena. Os trabalhadores devem ter o direito de ficar em casa e se protegerem como puderem, não indo ao trabalho e não sendo punidos com cortes ou reduções salariais de qualquer tipo. Ao mesmo tempo, devemos exigir por maiores e urgentes investimentos em Saúde, principalmente na expansão dos leitos, distribuição de materiais e na aquisição de testes e equipamentos fundamentais na atual situação.

Além disso é importante aprofundarmos a denúncia ao caráter do Estado brasileiro e da guerra de classes que conduz contra o povo trabalhador, agora exposta sem escrúpulos pela política assassina do governo Bolsonaro diante da crise. Imediatamente, é importante isolar e enfraquecer cada vez mais o próprio governo e especificamente o presidente, hoje o inimigo imediato e mais agressivo dos trabalhadores.

É um momento de apreensões e turbulências, mas também de estreitarmos os laços de solidariedade e camaradagem, aprofundarmos a mobilização e impor derrotas ao inimigo.

UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA

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